Wednesday, May 17, 2006

Da seccao: "Vale a pena ouvir de novo" ...

...desta vez um portuga inteligente:

"Os amantes de Hugo Chávez Que delícia. Leio na imprensa inglesa entrevista com Herma Marksman, amante de Hugo Chávez durante dez anos. Isto, claro, quando Chávez era um modesto tenente-coronel do exército da Venezuela. Tenho certa experiência com a vida privada de ditadores ou caudilhos e já escrevi abundantemente a respeito. Normalmente, não se recomendam. Hitler era caso extremo e o romance com Eva Braun, que terminou como terminou, ficou marcado por insatisfações mútuas, típicas do onanista histérico e da mocinha insatisfeita. Mussolini era um selvagem que violava duas ou três mulheres por dia e depois discursava a multidões em êxtase. Cuidado, falamos de tempos pré-Viagra. Os comunistas eram um pouco mais moderados: tirando Mao, pedófilo e, em termos de banho diário, um reputado suíno, Lenin e Stálin tinham privacidades toleráveis. Lenin gostava de "ménage a trois" com a mulher, Nadya, e a amante, Inessa, o que não deixa de ter as suas vantagens e, mais que vantagens, a sua coerência: coletivismo é isso mesmo, camaradas. Stálin, depois de enterrar a primeira mulher e de levar a segunda à loucura, dedicou as energias hormonais a matar milhões de seres humanos. Sexo e morte: as duas únicas certezas desta vida.E Chávez? Segundo Herma Marksman, hoje na casa dos 50, Chávez era um docinho em pessoa. Flores, chocolates, declarações de amor. E violência? Nem pensar nisso. Nunca levantou a mão, ou a voz. Bem, a voz até levantou, mas só para cantar: conta Herma que o seu Huguito lhe dedicava serenatas sem fim. Mas isso foram outros tempos, antes do poder subir à cabeça do bolivariano Chávez. Hoje, afirma Herma, Chávez está a caminho de uma ditadura fascista. Não é mais o Hugo, o seu Huguito Cantante, que a cobria de flores, chocolates, cançonetas. Mas nunca, nunca, nunca de porrada.A esquerda européia discorda, certamente. E dirá que as mulheres não são de confiança: uma pessoa deixa de oferecer chocolates, flores e serenatas e é logo um fascista nos jornais. Difícil não concordar. Nos últimos dias, Chávez aterrou na Europa para a Cúpula União Européia-América Latina, juntamente com o comediante Morales (que, a propósito, humilhou o governo brasileiro de forma reptiliana; o Brasil deixou), e a esquerda indígena entrou em festa. Basta ouvir Ken Livingstone, "mayor" da cidade de Londres, que marcou almoço com Chávez e é um admirador confesso do Comandante. É possível, e até provável, que no almoço londrino seja Livingstone a dedicar uma serenata a Chávez.Pena que a serenata não terá os versos fundamentais. Para começar, um verso sobre o controlo "democrático" que Chávez exerce no legislativo, no judiciário, nas forças armadas e na própria entidade "independente" que "regula" os atos eleitorais na Venezuela. E, para acabar, um verso ainda sobre as perseguições a jornalistas ou dissidentes que não gostam de Huguito Cantante e não dispostos a cobri-lo de flores ou cholocates. Só de porrada mesmo. E ainda temos os pobres que estão cada vez mais pobres, apesar do petrôleo em alta que Chávez controla e usa como quer. E ainda temos o crime, sobretudo em Caracas, que transforma S. Paulo, acreditem ou não, numa cidade próxima do Paraíso.A tudo isto, a esquerda européia dirá certamente coisas inteligentes. Para começar, que Chávez foi eleito "democraticamente" (Hitler também). Que Chávez traz de volta a utopia perdida (Mao também trouxe). E que Chávez tem a coragem necessária para marchar contra os Estados Unidos (como o Irã, presumo, e outros sítios civilizados, como Cuba ou o Zimbabwe). Inevitável: se a história do século 20 ensina alguma coisa, é que haverá sempre um idiota útil disposto a defender o inominável. Heidegger marchou com o Nacional Socialismo. Sartre marchou com Stálin e, quando Stálin desapareceu de cena, com o terrorismo terceiro-mundista de Franz Fanon ou Yasser Arafat. Harold Pinter, Prémio Nobel, acha que Cuba não mata nem tortura desde 1959. E Peter Handke, que não é Prémio Nobel mas já foi candidato, compareceu no funeral de Slobodan Milosevic e derramou duas lágrimas sobre o ditador.No meio deste bacanal ideológico, o meu coração está com Herma: triste e abandonada, sem flores ou chocolates, presenciando o harém de amantes que o seu Huguito Cantante vai cultivando pela Europa e pelo mundo. Pobrezinha. Chamem-me sentimental. Mas tivesse eu guitarra e voz, e seria altura de dizer: "Silêncio, que se vai cantar o fado".

João Pereira Coutinho, 29, é colunista do jornal português "Expresso". Reuniu seus artigos no livro "Vida Independente: 1998-2003". Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.E-mail: jpcoutinho.br@jpcoutinho.com

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